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Sexta-feira13 vista pelo 'Expresso'

08 Setembro 2010
Da muita Comunicação Social que deu conta do que foi a última Sexta-feira13 de Montalegre, destacamos a reportagem do jornal semanal Expresso. Um trabalho notável que avalia, de forma sublime, o impacto turístico e económico que o evento representa não só para o concelho como para a região.
Diversidade O país não é só Lisboa, Porto ou as praias do Algarve. De Norte a Sul, o território é um manancial de histórias e recursos únicos, cujo aproveitamento turístico é uma oportunidade de futuro para regiões isoladas ou ameaçadas de desertificação.
 
Há sempre um Portugal por descobrir
 
As ruas de Montalegre enchem-se de uma multidão bizarra. Na praça central, há caldeirões a fumegar, mulheres com cobras ao pescoço, gente de todas as idades com chapéus negros e capas, num alegre hino à bruxaria. Até a estátua do bravo navegador Cabrilho está com vestes negras de feiticeiro. É sexta-feira, dia 13, o que significa Noite das Bruxas em Montalegre. Este ano, o emblemático dia calhou em agosto, o que engrossou a festa com a presença em peso dos emigrantes.
"O mal-assombro vai começar!", anunciam os altifalantes. Junto ao castelo, iluminado por archotes de fogo, umas três dezenas de milhares de pessoas aguardam o espetáculo. "Ó demónios do inferno que assombram os meus sentidos. Ajudai-me! Chamai um bruxo dos montes!". O grito vem do palco, onde se sucedem coreografias com cortejos de bruxas e almas penadas.
A chegada do padre Fontes para o esconjuro comunitário é o momento mais esperado da noite. O padre surge em apoteose, transportado numa grua, como se descesse dos céus, entre os raios laser que iluminam o castelo. "Sapos e bruxas, mouchos e crujas, demonhos, trasgos e dianhos, espíritos das eneboadas beigas, corvos, pegas e meigas", começa o Padre Fontes a reza, que invoca as forças da natureza para afastar bruxedos e maus olhados. A ladainha prossegue: "Trevões e raios, piar de moucho, pecadoura língua de má mulher casada cum home belho. Vade retro Satanás prás pedras cagadeiras!..."
O final do esconjuro é brindado com uma cascata de fogo-de-artifício. E a multidão acotovela-se para beber a "mistela mágica", uma bebida do tipo queimada à galega à base de aguardente, maçã e canela, alegadamente com poderes para afastar as forças do mal.
Na noite de 13 de agosto, foram arrecadados cerca de €600 mil em dormidas e refeições à conta da Noite das Bruxas, que representa uma aposta crescente da câmara desde os últimos anos, e já foi reconhecida como evento-revelação em Santiago de Compostela. Conta com a adesão dos restaurantes, que servem "ementas diabólicas", regadas de vinhos "endemoinhados ou divinos", com empregados vestidos de bruxos e decorados com teias de aranha e velas derretidas. "Somos sempre brindados com uma multidão, que enche o alojamento em Montalegre, Chaves, Boticas e até na vizinha Galiza", refere David Teixeira, diretor do Ecomuseu do Barroso em Montalegre, salientando que a Noite das Bruxas procura reinventar as tradições de vida comunitária das terras do Barroso, com todos os seus misticismos populares. "Toda esta paisagem e o imaginário do lobo deu azo ao aparecimento destas crenças, que se estendem também às aldeias galegas", explica David Teixeira. O congresso da medicina popular que anualmente se realiza em Vilar de Perdizes, cuja alma é o padre Fontes, também radica na ancestral cultura do planalto barrosão. "Este fenómeno da medicina popular é fruto da astúcia do povo, para arranjar formas de sobrevivência num ambiente de isolamento", faz notar o responsável. "Não se pode esquecer que nesta região há 50 anos só havia dois médicos que andavam a cavalo de aldeia em aldeia, e continua a haver pouca ligação ao centro do país", acrescenta.
O Ecomuseu do Barroso tem pólos espalhados em Pitões das Júnias, Tourém, Salto e Paredes do Rio, e o objetivo é criar "um museu vivo também nas nossas aldeias". David Teixeira está empenhado em recuperar "o conceito de couto misto", com vista a "perpetuar a memória de um sítio que tinha regras próprias na I República, devido à distância a Lisboa e a Madrid".
 
Desenterrar histórias

A festa de sexta-feira 13 em Montalegre "pega em todas essas tradições e raízes, demonstrando a coragem do povo em enfrentar o azar. Para os barrosões, pode ser o seu dia de sorte". Como resume David Teixeira, "nós, como técnicos do projeto, queremos pegar nas pontinhas todas, o ecomuseu, o dia das bruxas, o congresso de medicina popular, e pôr Montalegre no mapa como destino turístico".
À semelhança do Barroso, multiplicam-se os casos em Portugal de regiões que estão a desenterrar as suas histórias do passado com um novo olhar de valorização turística, para atrair visitantes nacionais ou estrangeiros. E repositório não falta, de norte a sul desde o lendário lince da Malcata às terras onde sobreviveu a língua mirandesa.
Um caso exemplar é o trabalho que está a ser desenvolvido pelo polo de turismo da serra da Estrela em relação ao legado dos judeus. A região conserva uma comunidade residente, descendente dos judeus perseguidos pela Inquisição e que ocultaram a sua religião durante mais de cinco séculos. A rota turística judaica atrai anualmente milhares de visitantes à serra da Estrela, com destaque para o museu judaico, a sinagoga ou o bairro judeu de Belmonte. A temática promete ganhar um ênfase acrescido com o I Festival Judeu Sefardita, que está na calha para novembro, cujo programa se estende a Belmonte, Guarda e Trancoso, incluindo ainda ações em Lisboa.
Também o Alandroal, no Alentejo, recuou no tempo para encontrar urna marca que pode fazer a sua diferença no futuro. A chave está no endovélico, um deus celebrado pelos povos pagãos que passaram pela Península Ibérica antes da ocupação romana. Múltiplos achados arqueológicos quase do tempo de Jesus Cristo dão conta que o Alandroal já foi um dos maiores santuários do endovélico, atraindo povos de toda a Ibéria. Este deus ligado às forças da terra continua a ser celebrado por grupos pagãos, mas ficou votado ao desconhecimento coletivo. "O endovélico é provavelmente o nosso maior fator de diferenciação e que nos pode distinguir de outras regiões", sustenta João Grilo, presidente da Câmara do Alandroal. "Mostrar as terras do endovélico é um excelente pretexto para chamar turistas cá. O Alandroal era a Fátima do período pré-romano", adianta. Em junho, decorreu nesta vila o evento "Por terras do endovélico", que incluiu percursos em rotas da antiga peregrinação e até libertação de pombos, recriando a leitura de augúrios no voo das aves. O novo Plano de Desenvolvimento Turístico já está centrado no endovélico, e em 2011 o autarca quer ter mais valências, como um miradouro virtual e um museu. "Acreditamos que o ex libris do turismo no concelho seja o endovélico".
É como frisa David Teixeira, do Ecomuseu do Barroso: "Criar um destino turístico é muito mais do que fazer publicidade. Os turistas vêm à procura de coisas genuínas".
 
Expresso, 21 Agosto 2010
Sexta-feira13 vista pelo "Expresso"